quarta-feira, 20 de junho de 2018

Entendendo o "nascer da água"

"Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus (Jo 3.5), foi a resposta do Senhor Jesus à Nicodemos. O novo nascimento, ali ensinado por Jesus, era um mistério para aquele que era Mestre em Israel. Como sempre, o Mestre por excelência dando um "nó" na cabeça dos que se diziam entendidos da Lei. Ele é a Sabedoria perfeita e personificada de Deus e, portanto, somente Ele podia reprová-los quanto à sua ignorância e cegueira de entendimento. 


O que realmente significa "nascer da água"? Se ouviria ali uma nova doutrina? Imaginemos os fariseus, os saduceus, os escribas, mestres da lei, se mostrando profundos conhecedores da Torá, acostumados com a sua religiosidade; já se fazia 400 que Deus não levantava profeta para levantar com o Seu povo. Logo, tudo o que se via e ouvia eram cultos embasados no ritualismo religioso, preocupados tão somente com o ato litúrgico, mas, a verdadeira espiritualidade estava distante deles (ver Is 29.15). Nicodemos certamente estava incluído nessa lista. Achava que a vida religiosa por ele vivida, ensinada pelos seus mestres era o bastante, até ouvir do Mestre Jesus estas palavras: "... aquele que não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus" (Jo 3.3). Nascer de novo? Que conversa é essa? Nunca alguém nos falou tal coisa?! De que lábios saíram essas palavras? Dos principais de Israel? Não! Eles estavam preocupados com uma libertação política. Estar debaixo do jugo romano para eles era o ápice da questão. Quem disse tais palavras? Os sacerdotes? Não! Seus ofícios foram nocauteados pela rotineira obrigação de entrar no templo! Eles sabiam de tudo sobre como preparar um animal para o sacrifício, imolando-o, porém, precisavam saber do sacrifício oriundo da alma, imolar o "eu" para servir ao Deus Eterno sacrificial e voluntariamente. As tais palavras saíram dos lábios do Filho de Deus! É com razão que veremos Nicodemos perplexo com o ensinamento de Jesus. O que nunca se ouviu em nenhuma sinagoga, se ouviu ali, diretamente do Verbo Vivo. 

O que seria o nascer da água? Alguns estudiosos entram em questão acerca destas palavras. Contudo, é necessário analisarmos o sentido simbólico da palavra água. Ela aparece nas Escrituras com sentidos variáveis. Uma boa hermenêutica é indispensável na aplicação de suas simbologias variadas, sem ferir o contexto apresentado. Ela aparece ligada à juízo, ao lermos sobre o Dilúvio que inundou a terra (Gn 7.17-24); outrossim, aparece em conexão com a vida, quando o assunto é sede ( Gn 24.19; Ex 17.1; Nm 20.2;  Is 21.14; 55.1). Ela também indica estado de angústia e de muita aflição: "... tirou-me das muitas águas" (Sl 18.16; ver Is 43.2). Também aparece com uma conotação espiritual (Is 12.3; Ez 36.25). Também o próprio Deus é comparado à água: "... o Senhor, a fonte das águas vivas" (Jr 17.13). O Senhor Jesus segue no mesmo encalço: "Se alguém tem sede, que venha a mim e beba" (Jo 7.37). Como vemos, água, nas Escrituras, possui vários sentidos e, para tanto, convém analisar cada texto dentro do seu contexto de forma escrupulosa, com toda a perícia a fim de não acidentarmos o real sentido ali exposto. 

Alguns comentaristas acreditam que o "nascer da água" se refira ao batismo nas águas. Devemos ter em mente que Jesus estar falando de nascimento, isto é, de vida. Ele se refere à uma concepção do ponto de vista espiritual. A presente passagem não pode se referir ao batismo, visto que este já é um símbolo e seria fora de contexto Jesus usar um símbolo para explicar outro símbolo. Logo, há uma distância considerável entre o "nascer da água" e o batismo nas águas. Que sentido pode ser dado à água neste contexto? Vamos começar pelo ponto de que o novo nascimento aparece ligado ao Reino de Deus (Jo 3.3,5), logo, vai além do batismo em águas, como muitos supõem que sejam. Muitos esquecem de observar que a água aparece indicando purificação (Ef 5.26; ver Tt 3.5). O justo é como árvore plantada junto à "ribeiros de águas" (Sl 1.3; Jr 17.8). Águas que regam as suas raízes, dando-lhe sustentação, fazendo com que ela cresça.

Se o "nascer da água" se referisse ao batismo, o que dizer dos santos da velha aliança que foram fiéis a Deus, mostrando exemplo de virtude? O escritor da Carta aos Hebreus faz honrosa menção a muitos dele no capítulo 11. O batismo é um emblema, um representativo da salvação, mas, não possui nenhum efeito salvífico. O nascer da água refere ao nascer por meio da Palavra de Deus, que é "viva e eficaz" (Hb 4.12). O Apóstolo Paulo diz que o Evangelho é o poder de Deus (Rm 1.17). Mais que letras, é a operação divina através da Palavra para que sejamos gerados em Cristo.

Este nascimento nos garante o acesso no Reino de Deus. As palavras "ver" (Jo 3.3) e "entrar" (Jo 3.5), são uma forte indicação disso. É necessário "nascer de novo" para ver o Reino de Deus (contemplá-lo, desejá-lo através da fé viva e operante enraizada na Palavra) e para entrar nele (desfrutá-lo plenamente, ao receber a "redenção do nosso corpo" - Romanos 8.23). Vale a pena salientar que por se tratar do novo nascimento, trata-se de uma nova vida, da parte de Deus na vida daquele que se arrepende verdadeiramente. Há uma relação do autêntico cristão com a Palavra. O cristão anda por fé (2 Co 5.7), sim, a fé enraizada na Palavra de Deus (Rm 10.17). Pelo que vemos, ele nasce da Palavra e da renovação feita pelo Espírito Santo. Essa dualidade é vista nas Escrituras. Os homens erram não conhecendo "as Escrituras, nem o poder de Deus" (Mt 22.29); as palavras do Senhor Jesus são "espírito e vida" (Jo 6.63); a Palavra de Deus é "viva, e eficaz" (Hb 4.12); devemos crescer "na graça e no conhecimento" (2 Pe 3.18). Convém ao cristão, ao discípulo, obedecer à Palavra, pois a obediência à ela é o elo que no une ao Espírito. Não há como dissociar um do outro, embora, muitos em sua ignorância não atentam para isso.

Sejamos apaixonados pelas Escrituras! Tenhamos comunhão com o Espírito Santo! Sejamos amantes da Palavra! Conservemos em nós a verdadeira espiritualidade!

Amém e amém!

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